Bons salários e tratamento de celebridade
dão status à profissão de cozinheiro
Gabriela Carelli
BEL COELHO Eleita chef revelação de 2004, Bel lapidou seu talento em Nova York. Seu prato: tartare de três peixes ao molho asiático |
Quando tinha 21 anos, a gaúcha Roberta Sudbrack tomou uma decisão que deixou a família inteira de cabelo em pé. Ligou de Washington, onde cursava veterinária, para comunicar que abandonaria a faculdade – e a perspectiva de seguir uma carreira de respeitabilidade social garantida – para fazer aquilo de que realmente gostava: cozinhar. Passaram-se catorze anos e, hoje, Roberta brilha como uma das chefs de cozinha mais prestigiadas do Brasil. Banqueteira preferida dos endinheirados, pilotou a cozinha do Palácio da Alvorada durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Já escreveu dois livros de culinária e está prestes a inaugurar um espaço gastronômico no Rio de Janeiro. Para chegar aonde está, enfrentou caras feias e muito preconceito. Até poucos anos atrás, o cozinheiro, estivesse ele no início da carreira ou no topo, não gozava de tanto prestígio. Era atividade típica de quem não tinha condições de estudar. Em geral, só pessoas egressas dos extratos humildes da população optavam pelo ofício – mais por oportunidade do que por vocação.
Selmy Yassuda |
ROBERTA SUDBRACK A gaúcha, ex-chef do Palácio da Alvorada, trocou a veterinária pelo fogão. Hoje é a banqueteira preferida dos famosos. Seu prato: tartare de abóbora |
Hoje, quem segue os passos de Roberta encontra um cenário muito diferente. Cada vez mais jovens da classe média para cima trocam a carreira universitária convencional pelas panelas e pelos temperos. Ou melhor, pelo réchaud e pelo foie gras. A maioria dos bons restaurantes, principalmente os mais novos, tem à frente da cozinha garotos e garotas que se apaixonam pela culinária e contam com o apoio financeiro dos pais para vencer as etapas da profissão que os levam a se tornar chefs. A profissão de chef de cozinha tornou-se glamourosa. Seus titulares viraram celebridades, sempre presentes em festas e eventos badalados. Seus rostos ilustram as colunas sociais e as revistas de fofocas revelam sua vida privada. Entre salários, cachês de palestras e banquetes, ganham tanto quanto um executivo de primeiro time (veja o quadro), e muitas vezes também investem alto na qualificação. A mensalidade nas escolas de gastronomia européias e americanas pode chegar a 10.000 reais. Os menos abastados escolhem entre as duas dezenas de cursos que surgiram no Brasil nos últimos cinco anos.
O paulistano Pier Paolo Picchi, de 28 anos, que comanda o restaurante do estrelado Hotel Emiliano, em São Paulo, cursou a faculdade de administração de empresas por dois anos. Ao perceber que não era bem "aquilo" o que queria, disse ao pai, um publicitário, que tinha inclinação para a culinária. Opção feita, teve todo o apoio necessário para estudar na Itália por cinco anos. A temporada no exterior deu a Picchi a chance de trabalhar em restaurantes sofisticados de Milão, Roma e Florença, onde passou pelas mãos de chefs como Gianfranco Vissani e Balzi Rossi, que estão entre os mais badalados da Itália. Picchi chegou ao Brasil com um currículo e tanto.
RODRIGO MARTINS (à esq.) e JEFFERSON RUEDA Sócios do Pomodori, em São Paulo, foram premiados em concursos na França. Acima, lula ao molho de alcaparras com amêndoas e verduras refogadas |
Ronald Menezes, de 32 anos, dono do restaurante Yolanda, no Recife, tem uma história parecida. Chegou a cursar direito e administração, mas só se encontrou na vida quando foi estudar hotelaria na Bélgica, com o apoio da família. Concluiu o curso e teve a sorte de conseguir emprego no restaurante de um dos ícones da gastronomia mundial, o francês Paul Bocuse. Hoje, Menezes é considerado um dos melhores e mais criativos chefs brasileiros. A paulistana Bel Coelho, de 25 anos, do festejado Sabuji, eleita a chef revelação de 2004 pela revista Veja São Paulo, sofreu um pouco mais. Teve de provar para a família que sua paixão pela cozinha não era só fogo de palha. Determinada, aos 18 anos bateu à porta do estrelado chef Laurent Suaudeau, francês radicado no Brasil e dono do restaurante predileto de seu pai, para pedir um estágio. Depois, conseguiu um lugar ao sol no Fasano, um dos mais requintados de São Paulo, de onde partiu para um curso de dois anos no Culinary Institute of America, em Nova York, que custou à família 40.000 dólares.
A valorização da profissão de cozinheiro no Brasil coincidiu com a multiplicação dos restaurantes de culinária altamente sofisticada. Até o fim da década de 80, podiam-se contar nos dedos os restaurantes desse tipo no país. Naquela época, uma leva de chefs internacionais de renome, como Laurent Suaudeau, Claude Troisgros e Emmanuel Bassoleil, desembarcou no Brasil para trabalhar em hotéis cuja cozinha era orientada, a distância, por chefs franceses. "Eles não só ajudaram a implementar no país uma cozinha de qualidade como transformaram a figura do chef. O cozinheiro virou uma espécie de celebridade, uma pessoa descolada, que se veste bem e aparece em revistas e jornais", diz o crítico gastronômico Josimar Melo. "Houve uma glamourização da profissão", explica. Sergio Arno, de 43 anos, um dos primeiros chefs de cozinha dessa nova safra, não se esquece do que ouviu quando abriu o primeiro de seus nove restaurantes, em 1987. "Diziam-me que, além de ser uma profissão nojenta, era coisa de filho mimado, que não queria trabalhar de verdade. Hoje, tratam-nos como celebridades."
PIER PAOLO PICCHI Chef do Hotel Emiliano, largou o curso de administração para estudar gastronomia na Itália. Ao lado: panzanela com presunto e caviar |
Apesar de todo o glamour, a vida dos cozinheiros sofisticados está longe de ser um mar de rosas. Primeiro, para chegar a chef é preciso passar por todas as atividades incluídas na rotina da cozinha, começando por picar muita cebola e legumes. Roberta Sudbrack conta que passava dez horas por dia cortando todo tipo de alimento. Saber cortar alimentos é, por sinal, conhecimento essencial na profissão. Demora-se bastante tempo para subir os degraus na carreira. "Gastronomia está na moda, mas não é profissão para qualquer um. É preciso dedicar-se totalmente, comprometer a vida pessoal e trabalhar nos fins de semana e feriados", diz Jefferson Rueda, de 27 anos, sócio de Rodrigo Martins no prestigiado Pomodori, em São Paulo. Não é à toa que muitos estagiários desistem logo nas primeiras semanas. "Muitos filhinhos de papai, que chegam de chapéu alto e jaqueta bordada, não resistem", conta Pier Paolo Picchi.
RONALD MENEZES Dono do Yolanda, no Recife, tentou duas faculdades até decidir estudar culinária na Bélgica. Seu prato: cartola de banana-comprida |
Do chef ao commis, todos têm longas jornadas de trabalho, às vezes de catorze horas por dia, a maioria do tempo em pé, em ambientes quentes. "Quando conseguimos nos tornar chef, vemos que a coisa só se complica, e trabalhamos mais ainda", diz Salvatore Loi, que pilota os nove restaurantes do grupo Fasano. Além de inventar pratos e montar o cardápio, o chef tem de coordenar toda a equipe, escolher mercadorias de qualidade e controlar gastos. "Passo o dia inteiro lidando com problemas burocráticos. À noite, vou para a cozinha do Fasano e só saio de lá de madrugada", conta Loi. O pioneiro Laurent observa que, além de tudo isso, um bom chef precisa ser uma pessoa antenada, que saiba conversar sobre todos os assuntos com seus clientes. "Leio três jornais por dia e várias revistas por semana. Quero recepcionar bem tanto meu cliente que trabalha no mercado financeiro quanto aquele que é artista plástico", diz. O esforço tem suas recompensas. O salário de um bom chef pode chegar a 12.000 reais. Se ele estiver disposto a dar aulas, palestras e participar de eventos, pode multiplicar o faturamento várias vezes. "Mas que ninguém se iluda", comenta Bel Coelho. "Para chegar a preparar o primeiro prato, são necessários anos de batalha e suor."
Fonte: Revista Veja
1 comentários:
Este post é muito bom, porque seu post está dando informações muito boas sobre resturents. Portanto, estamos muito gratos a você.
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