Fruto que só dá uma vez por ano e "quando quer", o rico e nutritivo baru é uma das joias do Cerrado.
O baru é uma das joias do Cerrado brasileiro, que ocupa boa parte do centro do país. Só é bom de coletar quando já caiu da árvore. Sinal de que está maduro. Protegida por uma polpa docinha, rica em cálcio e de aroma suave que lembra coquinho e baunilha, sua castanha é, por outro lado, mais neutra. Mas é do tipo irresistível. O sabor remete ao do amendoim, porém mais delicado. Pode ser comida pura, com ou sem sal, mas também dá origem a uma farinha rica. Tem gente que faz pé de moleque. Tem gente que envolve peixe saboroso em uma capa de baru. Tem gente que faz sorvete, manteiga. Nada. A ver. É difícil, mas é versátil.
A safra das castanhas do baru costuma ocorrer do fim de agosto a setembro e talvez avance em outubro, antes da chuva. A coleta é manual, ao redor das árvores que depositam seus frutos na pastagem, sob o sol. Parte dos frutos é colhida para ser descascada, torrada e vendida. Outra é deixada ali para alimentar os animais e manter o ciclo da vida. Deles, e do baru. Mas é um fruto temperamental, esse, viu. Tem ano que não dá nada. Em outro, fartura.
Por indicação do movimento Slow Food Brasil, fomos conhecer, em Pirenópolis, estado de Goiás, uma das principais regiões produtoras de baru. São tempos de baixa na safra, talvez por causa do clima ainda mais seco do que o habitual, mas ninguém sabe direito o motivo. Quando é assim, coisa pouca, alguns produtores de Minas e Goiás tentam ajudar uns aos outros para não prejudicar muito o comércio. Mas uma das lições de quem trabalha com o baru é exatamente essa: saber respeitar seus caprichos. Então nada de depender só dele. É preciso ter uma cultura sustentável, variar.
É isso que nos ensina uma conversa com duas gerações de produtores sabidos e tranquilos, Gabriel Divino de Mesquita, o seu Bié, e a filha dele, Danielle, de 24 anos. Eles são dois representantes da Associação de Desenvolvimento Comunitário do Caxambu, que reúne famílias que trabalham com a coleta, o processamento e o comércio da castanha de baru desde 1996. E não é só com isso. Sob a marca Promessa de Futuro, as mulheres da associação pilotam uma minifábrica – que fica na propriedade de pouco menos de 18 alqueires do seu Bié, perto de Pirenópolis – onde, além de torrar e embalar o baru, fazem coisas como geleia, conservas e chutney à base de manga, hibisco e pepino. Lembra do que falamos antes? Não dá para viver só do baru, então tem de investir em agricultura sustentável e produção diversificada.
“No ano passado, não deu nada. Os frutos do cerrado, a gente não sabe o motivo, são todos assim. Um ano produz bem. Outro, não”, conta Danielle. “De repente, a gente consegue até dois anos de carga boa, mas acontece de passar outros dois sem nada. Este ano, não vai ser boa. Em 2007, aproveitamos 90% da colheita. Agora não vai dar nem 10%.”
Todo o trabalho para obter o baru é artesanal e delicadíssimo. A castanha não pode sofrer nenhum arranhão. E não é fácil. A coisa toda começa na colheita. “Quem trabalha na coleta normalmente é mulher, principalmente as mais jovens, porque tem de se abaixar, trabalhar sob o sol o dia todo em uma postura difícil”, explica Danielle. Desde as 4 ou 5 horas da madrugada, elas partem com farnéis de comida e passam o dia na pastagem conversando e fazendo a primeira triagem dos frutos. “Para saber se estão bons, duas coisas: tem de ter caído de maduro e, ao agitar o fruto, ouvir a castanha se mexendo lá dentro. Se não tiver barulho, nem vale pegar, pois o beneficiamento é tão trabalhoso que não compensa quebrar um fruto que não vai dar em nada”, ensina seu Bié.
Assim, in natura, as moças vão preenchendo as sacas que, inicialmente, eram de 60 quilos, mas como eram difíceis de carregar por meninas foram enxugadas para 20 quilos. Cada saca, depois de descascada e torrada, vai render em média 900 gramas de castanha pronta para consumo.
“Antigamente, antes de 1996 e de formatar o comércio por aqui, a gente comia baru sem torrar, e o sabor não é muito bom. Mas com o tempo descobrimos que torrando era melhor. Na época, não tinha merenda na escola e a meninada quebrava na pedra e comia a castanha pura. Mas era tão, tão difícil de quebrar... que se consumia muito pouco”, conta Danielle. Hoje, uma engenhoca de madeira com uma foice é usada para quebrar o fruto, movida a força e precisão. Não é todo mundo que consegue quebrar sem desperdiçar, pois a castanha é superdelicada e não pode sofrer nenhum arranhão. Depois de quebrada e selecionada, ela é torrada, embalada e comida. Ou, claro, vendida.
A saber:
1. In natura, ainda na casca, o baru pode ser armazenado por até quatro anos. Em castanha, fica bem mais frágil. Pode ser congelado e dura no máximo 30 dias sem torrar.
2. Não pode coletar tudo o que encontrar pela frente. Tem de deixar um pouco para os animais, para manter o ciclo produtivo do fruto.
3. Nem todo fruto tem baru. Conforme coletar, a pessoa tem de sacudir para sentir o movimento. Se tem barulinho bom, deve ter castanha.
4. Para a pessoa que trabalha com baru, é melhor dominar todo o processo: coletar, quebrar (a parte mais difícil, pois a casa é muito dura e a castanha delicadíssima) e torrar. Isso agrega valor o processamento, valoriza a mão de obra.
5. O preço médio da castanha é de 20 reais o quilo. Mas pode ser mais, dependendo do tamanho, do frete etc.
6. Depois de quebrar fruto por fruto, na foice, é feita outra seleção, antes de torrar. As castanhas são agrupadas por tamanho, para que sejam torradas uniformemente. Ainda podem ser encontradas castanhas que não prestam para embalar. Quebradinhas, normalmente vão ser aproveitadas na paçoca ou pé de moleque.
7. A torra é feita no fogão, em panela de fundo duplo, aos poucos. Tem de mexer sem parar, por dez a quinze minutos. Uma pessoa sozinha, por hora, torra uns quatro quilos. As castanhas são espalhadas em uma mesa de inox, para esfriar, e depois são embaladas.
8. Tudo é manual e artesanal.
Fonte: IG Comida.